quarta-feira, 27 de abril de 2011

Quando estou sobre trilhos

Alô Alô, senhoras e senhores, desculpem a intromissão!
venho aqui para preencher
esse barulho de percussão
bate bate que tanto bate,
vem dos pés e não dissipa;
se equilibra na bandeja, se segura em qualquer vão!

Se minha venda ambulante
não consegues bendizer,
o que fazes cedo assim
entalado desse jeito?
do outro lado do prazer
sem ter mais o que fazer?
não pareces mais que eu
só estufas o teu peito

Já passei da minha fase
de olhar pro teu calçado
e pensar pura besteira
do que acha em teu tablado...

hoje só o que me importa
ao entrar por aquela porta
é que leve meu produto e não se mostre acanhado

Não vês tu que o desconforto também a mim acomete?
que maluco com arbítrio escolhe de lata andar?
caixa prata, sobre rodas, peso bruto que desliza
pouco entra alguma brisa
pouco dá vazão o ar
não confie no teu corpo
não te ponha a espirrar
- sem contar com a proteção,
feita pela tua mão -
calha de todo carioca
tu assim contaminar!

E por mim que tenhas pena,
é isso mesmo que quero
mas não pense todo mal,
mesmo eu de mim pouco espero
hoje o sonho que me ocupa
- vejam só que pouco alento! -
é a dar aos filhos que alimento
a alegria de crescer
...
comprando à vontade
o que sofro pra vender

Sei que gostam do meu show
eu lhes trago diversão;
e se tu achas que não
por que desvia a atenção?
Eu sei bem tudo o que queres
quando o espaço está menor
quando olhas pela janela
e já tem tudo de cór

queres só um diferente
-não que tenha algo em mente;
de viagem delinquente
está farto o teu pensar;
e a cada compromisso
te sentes logo um submisso
ao sistema de metais
que te põe pra lá e pra cá

é aí que entro eu
parecendo um fariseu
tatuagem camuflada,
clarinha, mal pintada,
misturada sem capricho
em meio aos tons marrons 
da minha pele desgastada
...
esperteza declarada
no sotaque repuxado
digno de um pé rapado
que sabe o pouco que tem
e usa-o como ninguém

E pode ver...
que na hora tu fraquejas!
não te quero enganar
ainda que de mim desfaças
sabes que sim...
te tenho na palmar
...
brinco com teus desejos
de trabalhar o paladar,
de levar aos teus amigos
esse brilho no olhar,
quando olhas bugiganga
que tu juras precisar
mas no fundo sabes bem
que só dura a sensação
enquanto os trocados teus
não descansam em minha mão

Por agora, meus senhores,
estou quase indo embora
falta pouco...
mais alguém?!
pelo menos uma esmola?
já me espera o outro trem
passem bem, até alguma outra hora

6 comentários:

  1. Só assim para aprender as "consoantas" e "avogais".

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  2. E admita. Mesmo nós, homens barbados e alfabetizados, não pensamos por um segundo em comprar o livro "de técnica revolucionária" - me lembro bem - que ensinava as 'consoantas'?!

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  3. Pegar trem é mais rápido e fácil. Sem trânsito; sem engarrafamentos; sem a hora do rush. Demora até você pegar a malícia dos trens.Com o tempo você se acostuma com tudo: com os vendedores te empurrando; com as pessoas reclamando da vida, do vizinho, do país.
    Ás vezes até engraçado!
    Já votei!!!

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  4. o trem é o templo da reclamação. E o mesmo é um dos temas mais discutidos em sua tripa.

    Vivemos um caso de amor e ódio. Sua eficiência, ótimo custo benefício e cultura fervilhante contrastam com as mazelas, que, de tantas, sufocam o que ele é com o que ele poderia vir a ser.

    Por que priorizar a mudança se a classe se contenta com pouco, não?! E isso ocorre por inerência ou é um reforço de anos? Respostas complexas à parte, predomina o descaso de um lado e a impotência de outro. Virou uma grande bacia de água parada.

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  5. Eu não me contento!
    O trem é mais rápido e fácil. Sem trânsito....
    Mas também é fedorento,feio e lotado .

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  6. Algumas das mazelas partem dos próprios usuários. Se marginalizaram a tal ponto que assumem o comportamento de terra sem lei.

    Como hoje, quando um "empata porta" fez valer seu nome e ainda bateu boca com um fiscal, que também se rebaixa pelo contexto, e perde todo o apego à razão.

    Perdeu toda ela ao entrar na discussão, ameaçar fisicamente o transportado e tudo virou um grande circo de quem não tem o que fazer...

    Todos muito bem protegidos pelas suas 'verdades', mas sem propostas que tenham passado sequer por algum filtro de decência.

    Uma pena. Percebe-se, com um olhar, a ingenuidade desses atos e a fragilidade de toda essa rotina.

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