sexta-feira, 13 de maio de 2011

Deus e o mendigo

Mas se deus estava lá
onde estava o seu perdão?
- começou o bom mendigo

Muito tempo se passara,
tanta mágoa acumulara,
e mantinha o seu castigo?

“Já não basta ao julgamento
do ser todo poderoso
um miserável arrependido?”

E o coitado se pôs a pensar.
Era tema usual, de outros tantos que lhe visitavam. Mas nesse chorava. Punha-se encolhido, com as pernas dobradas, servindo de esconderijo para seu rosto alagado. Já passara a época de se importar com as pessoas arrumadas, mas ainda se envergonhava frente aos outros mendigos.

O gemido impregnado
na sua voz da consciência
tinha anseio de argumento

Pois quem sabe poderia
amolecer o criador
com algum outro lamento...

Só não é o que parece
já que em todo esse tempo
nem sequer foi respondido

Um arrepio,
um presente,
uma voz sussurrada,
o vulto de um ente,
“diga, deus
- não me faça um iludido -,
é só o que tem em mente
como cura a um doente?”
...
Pobre ser que só precisa
se sentir um pouco gente?

Já está farto de brincar
não confia em ilusão
e faz tempo que não teme
o que não seja a solidão

“Se estás me ouvindo agora
então logo a ti declaro
pois se guardo para mim,
e me julga o inconsciente,
pode não ficar tudo claro:

Quanto mais eu me debruço
sobre a pena que a mim pôs
mais eu vejo erros teus
- e isso fica entre nós dois”

“Pois não vejo em meus colegas
esse tom questionador
esse fina indiferença
de não ter o teu amor
pois parece que a eles
tu parece mais opaco
que será que eu não vejo?!
Será esse o meu fraco?”

Mas o fraco de que fala
não lhe faz nenhum sentido
dos que vivem como ele
é o mais bem sucedido

Aprendera a se virar
sem ajuda de ninguém
a divina é só mais uma
das que nada obtém

Não tem peso em suas costas
luta até não poder mais
o seu choro é de saudade,
não por causas tão banais

Sente falta de casa,
do cão,
das joias em sua mão,
da boa solidão
- e não a que tem hoje

De sentar à mesa pra jantar
ou um leito macio pra deitar
e um pano grosso que cubra seus pés
pois sente frio ali

Sente falta da sua letra,
do estufar de uma refeição
ou quando ainda preocupava a aparência
....
hoje mal tem afeição...
ao seu corpo ensebado

E pensando nesse tanto
de lembranças insolúveis
cessou um momento seu pranto
virou para deus e seu manto
e com modos de homem valente,
como em um último ato de crente,
fitou só mais uma última vez
aquele vasto véu azul
com a impressão de que ali
poderia morar gente


E à força responsável
por tão grande fantasia
sobraram palavras duras
de quem sempre anda às turras
com seu pobre coração:


“Suma logo da minha frente, seu divino traidor!
O poder que tanto clama
não merece o meu louvor!
pois se isso for verdade
e não te comove a minha idade,
o meu estado, a minha dor,
por que hás de merecer
mesmo um olhar meu, que for...?”


Em soluço engasgante
o seu choro assim cessou
e a foto dos meninos,
- que não largara aquele dia! -
todos juntos na abadia,
ao seu lado ele deixou


Pois lembrara de milagre
da fria noite anterior
quando já às duas horas
de um mal dia de trabalho
- suas finanças em frangalho! -
dez reais ele encontrou...


escondido em um arbusto
dentro de um sapato velho
que sem pensar ele calçara,
apesar do mal odor


Mas ao homem sem um teto
já bastou a alegria
de ter, como há muito não tinha,
o seu figurino completo


E deixou para os atos finais
o checar do seu bolso de trás
pra criar expectativa
acima das demais
por fortuna prometida
- era tudo realidade
ou tinha ontem a cabeça batida?


E ao toque no bolinho
de uma nota amassada
mostrou logo um outro lado
- com sorriso, mais sacana...


e num pulo pôs de pé
o seu corpo de faquir
pra gritar sua alegria:


"Aleluia, meu senhor!!!

Hoje tem porre de cana!
Hoje tem porre de cana!"

Um comentário: