sexta-feira, 20 de maio de 2011

O canto do desiludido

já de longe se percebe uma expressão desiludida.

e, só daí, já se sabe toda a história recente
desse largado - mero defunto com maneiras.
ser exaurido de qualquer estima:
por seu corpo, pensamentos,
lugares onde passa, mesmo as coisas
que sempre vê e acha lindas
- o mundo visto de um alto qualquer, camadas coloridas
de um sol poente, o aconchego da sua cama e quarto escuro;
mesmo o prato que come, ou as roupas que lhe caíam bem,
hoje nem percebe vestir, passa batido
pelo seu senso; sequer acha motivação
para perceber, pensar nas coisas. e sabe o fim
de todas as histórias; e tudo está sem gosto,
mas deixa um gosto ruim na boca, que desce pela garganta
e incha, incha, até preencher
todos os espaços e faltar ar, fazendo sentir
tudo espremido, sufocado,
prestes a estourar em seu peito; e queria ele
que isso acontecesse, e saísse tudo
aquilo de lá, num ato repentino, que rasgasse
o que visse pela frente, como em uma redenção,
como justiça pela dor que sofreu, e enfim
lhe foi dado o perdão - e então era livre
daquele fardo, de ter vivido tudo aquilo, e agora tem
escolha por sofrer ou não,
esquecer ou não.
mas isso não acontece
e a saída é lutar; mas ele é um miserável
e essa é a própria causa da derrota em sua cara
- está sendo derrotado!
e a cada tapa dado, leva cinco!
pois se por um instante tem a glória do descanso
- que uma luz bata em seu olho, ou tome um susto sadio,
e sua mente, em apenas um estalo, se esqueça
da sua condição, e lhe abafe a enfermidade -,
basta a claridade ir embora ou o corpo acalmar
que ele passa quantos outros dias forem
sem ter outro instante de sossego como esse.
mas seu maldito corpo é forte! e ele está vestido de capaz,
mas quando olha seu reflexo só enxerga um moribundo exausto,
pouco reconhece seus traços, ou presta atenção ali.
apenas vê o que é um retrato do fracasso. um belo quadro
estragado por um vândalo e um balde inteiro de tinta.
e agora a mancha está ali, marcada, gigante,
berrante, pra quem quiser ver,
quem sabe rir da sua desgraça!
e parece que ninguém vê! e queria ele também
que todos vissem. e recebesse conforto por isso,
um afago sem vontade, que fosse, ou ao menos
esmolas! para que se fingisse de criança e gastasse
em uma fonte dos desejos. pois tudo vale nessa hora.
mas esse tudo ainda é pouco; e o que ele tem não lhe quer,
e o que agarra, lhe escapa. e queria que essa regra valesse
para o que abriga em sua mente. ou que o salto dado pelo homem
no manuseio das coisas da terra já tornasse possível
dar à sua cabeça  sensação de oca, ao gosto do cliente.
mas não é cliente. Isso ainda é assunto do instinto,
e a paixão lhe consome as entranhas,
e fingir que ela não existe corroe
cada pedaço do que está abaixo da sua pele,
mas ela ainda te deixa com aparência de normal.
e aquilo está preso e é invisível. não sai
pela fala, não sai pelo choro, não sai
por abraço. como brincadeira de mal gosto,
onde o mais palpável é o pensamento,
logo depois o sentimento.
e não há nada além disso.
e aí se descobre o quão incapaz
se é de botar as coisas pra fora, da maneira
como elas são! e de tão ínfimo o tamanho
do que sai, perto do que entrou,
vale mais ficar calado a perceber
que é em vão o seu esforço de fazer
o outro sentir a sua solidão, de abrir
o teu peito e mostrar a tua desgraça!
e parece mais um pouco, que o pranto
dessa praga foi concebido em conjunto,
por todos os outros seres humanos,
como traição coletiva – a maior já vista pelo homem!
quando então foi combinado que todos se fingiriam
de felizes, mas nem precisaria tanto... o controle
em não pensar em coisa alguma já faria
o desgraçado suspirar. e é assim que ele os vê.
todos indiferentes por escolha, e tudo isso conduz sua solidão.
e maior for sua dor, maior parece a multidão
que encontra nesses dias tão sofridos. e navega
nesse mar, tão mais só do que se só estivesse enfim.
mas ainda que infiltrado na fria maré do dia a dia,
é muito simples reparar no leve ponto de calor,
que consome e não se espalha. e morrerá sozinho,
sem que ninguém perceba. e sequer será enterrado

já de longe se percebe uma expressão desiludida...

2 comentários:

  1. "Os instantes mais dolorosos de nossa vida são aqueles que nos revelam à nós mesmos."

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  2. vc acaba de adivinhar o próximo prato.

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