sexta-feira, 4 de julho de 2014

Café da manhã














Eu sou como o leite ebulindo,
namoro a panela, estou a dançar...!
Encapa-me a folha de nata,
nos juncos da lata eu evolo no ar!

E vou a cantar... no que,
então, em bafo e lamentos
de um silvo bem rouco,
anunciam a sanção:
ardido ao gosto do teu paladar!

Já no teu paladar eu 
desdobro em menores,
no forro da língua eu 
exalo calores,
tomados teus túneis, os
encho de amores,
te dobro nas pontas e...
volto ao cochilo.

Que conforto
no retiro 
desta pálida - tua voz!... 
salpicada de café,
de chamego à melodia
que te brinco num bom dia'
(e tu levas como a fé).

Mas amor, eu repito,
quase nada é poesia!
Dê ouvidos ao apito.


sábado, 17 de maio de 2014

Coruja é raro

O bom de ser coruja,
disse uma,
é ser águia ao inverso -
focando de longe,
mas todo o universo.

E assim verter tardes inteiras...
camuflada nos quintais,
tendo análises certeiras!

Como pode haver um bicho preferido?
Pelo amor não corrompido...?
Ouvi tudo fascinado.

O que valho sem vivências estrangeiras!
Viu projéteis darem a curva
e inimigos lado a lado.

Veio até com certo porte!
- e mãos finas, para que não sinta;
seus ouvidos, só furos
(e com nada se importe).

Por fim asas que só capa
e também nunca se iluda,
decolando em disparada
...por pedidos de ajuda...

Ela, ao contrário, não se mexe
não se aplica a qualquer teste.
Sua ousadia inconteste
é de ovo, paciente:

Eis a ave que não sente!
De virtudes reprovadas,

da moral inconsistente
morta a duras marteladas!

Diz que antes ruminando,
em fotossintese moral,
que do estalo ir se enganando
por um cúmulo banal;
E VAI-SE EMBORA...

E agora, que remorso da raridade...
alguém mais do corujal?


domingo, 20 de abril de 2014

Amar...gura













A inaugurada,

1. Não sem medo apostou na dor
enquanto o amor lhe iluminava...

2. Que até os olhos livrou da cena -
mas como o gozo, que perdura,
não se livrará deste poema.

3. Da fidedigna reação
vendo a mácula bater à porta
das suas juras de redenção...!

4. E seu rubrar por entre as pernas,
vibrantes, comigo junto,
em fuga das normas internas.

5. A da temperatura instável,
quando me pus a recitar
um poema abominável.

6. Abduzida a fins erógenos,
mas de acordo com os rumos
a que levam os novos córregos.

7. Resplandecente no dia seguinte!
De excitação não à toa: 
de zero passou a ter logo vinte.

Mas nesse humor tão precedente,
sem agüentar tanto requinte,
não tardou a cair doente...

Fisiodilema












Quanto mais aguentará a resistência
que me comprime por dentro
numa apneia de décadas?

Onde mais tomar um vento de quintal,
se hoje presto de assoalho 
em um canto de paredes altas?

O que mais dá pra cuspir por esses poros -
posso aroma, elixires?
mesmo o sal ainda se encontra...?

Quanto, em baldes, poderíamos medir?
Ainda assim sou pá de areia,
e vivo aquém da natureza...

E afinal -
quando um globo -
como devo me irromper?

Pelo estouro; sucumbido;
como feto mal gerido?

Ou da força a (re)nascer...?

domingo, 6 de abril de 2014

O senhor da lua

O homem exilado, no mundo
da impassível multidão de si mesmo,
esbarra ao andar, moribundo,
cantando e dançando versinhos a esmo.

E quando está fora -
mesmo que perto (longe, embora,
se desespere),
descoberto da capa que, suja,
não lhe dá forma, mas sugere -
vive de esbarrar e sentir nada:
castigos por viver a vida errada.

Ainda um olho que só espia
o alimenta de agonia
pelas cores que se batem.
E dos feixes, em vão, ele tenta
não tomar rumos errados -
mas tampouco isso o orienta.

Resta o vento que, sem culpa, 
rouba o som já rarefeito;
e, a viver só desse efeito,
rodopia e sobe à lua!

(Só não pense aquele charme
que da terra se insinua...)

Lá não há vida boa,
não germina um sonho à toa...
Há vastas terras, só que maciças,
e lampejos de solidão.

Lá, se exposta a resistência
(quando um nervo radiante),
mais sutil vem a demência.

Lá o herói cambaleante...
...como custa a abrir mão!

Leva no peito uns fragmentos
mas da lua a reputação!

E como isso basta...!
como isso basta para sua
índole casta, pobre,
humilde, que pouco se descobre!

Toupeira da lua...
Se rebaixa e como puta 
se insinua.
Se contenta com a beleza
fria e feia
que de esmola se oferece
ao virar da lua cheia.

Qualquer dia hei de buscá-lo,
ou tu escorres por um ralo
das crateras que vagueia.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Cerejeira

Minha carne ainda inflama
por aquele seu último toque:
quando tuas unhas eram de lama,
e, com os anéis enferrujados,
seus dedos me deram um choque...

Ah, que triste despedida!!
Tu, de cotidiano vestida,
a fechar nossa cortina...
O inverso que há no mundo
da gueixinha esparramada
que aromava minha rotina...










Seguiu que
me plantaram em um prato raso,
cercado por flores de vaso:
de vista a só cores gritantes
e hastes só duras -
nada como seus pés tão vibrantes
e as suas ternuras...

...

Mas está bem, 
eu devo crescer também.
E quem sabe eu atinja
o esplendor de minha copa
para que em riste, 
com a visão do sol
e em nada triste!,
renasça o amor em mil ninhos -
nem que dos passarinhos...!

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Desabafo em conjunto











- Ah, quando pudemos ver (dos mortos,
de um sebo retirado de seus corpos)
cada aroma que sentiram,
cada ideia que ocorreu,
tudo impresso em folha A4
por esbanjo meu e teu - 
vivos, como sempre abusados,
remexendo no que já morreu...

- E o homem teve o que queria
sem saber no que ia dar:
como pálida estrela guia,
pôs-se a girar
confuso e solitário,
bem no centro de um universo
cuja casca, em seu inverso, 
era um espelho imaginário. 

- E o instinto feito em drama,
o já unânime condutor humano,
agora eximido da cisma de dama
assumiu, com cinismo,
sua carga de engano...

- Assediado pelas mãos próprias,
a ninguém mais pôde culpar
quando tudo se fez em cópias
de um todo asqueroso 
muito aquém de seu antigo lugar.

- E na gloriosa cama de deus -
de onde fluiriam 
o cúmulo dos sonhos meus!
eles que embalados
pela cálida e permanente paz 
da monstruosa onisciência, 
que tudo traz:
ternura, alento, potência! -
e deitados então sem resistência,
no berço que do suor herdamos
dormiríamos reinando de felicidade 
um sonho de criança de dez anos...

- Mas não!
Em acelerada erosão
mal vimos chegar foi o inferno
e o diabo, garçom da contradição!
contador da nossa vergonha!
desta vez escamado em cegonha
para de novo emboscar
esse cão!

- Ah, e o castigo infernal -
e o que mais faria mal? -
viver com prazer em excesso
sem saber discernir a quem...
e aturar só galhofas crismadas
que não fazem mais rir ninguém...

- E agora, então, o que passa?
Um enforcado absorto,
em tudo azarado,
pendurado e não morto -
sim, saciado de corpo,
mas para sempre disposto assim:
um nada sem gíria e sem raça
de exemplo exposto na praça.